Entre o analógico e o infinito: viver entre gerações e transformações digitais

Entre o analógico e o infinito: viver entre gerações e transformações digitais

Kotor - Montenegro - Meg Schiager

Uma reflexao sobre viver cinco décadas, dois séculos e dois milênios

Nasci nos anos 80.
Fui criada nos anos 90.
Hoje, escrevo no dia do meu aniversário — e percebo o quanto é mágico poder celebrar mais um ano de vida depois de ter atravessado tantas eras, tantos sons e tantas mudanças.

Essas linhas começam com algo simples e verdadeiro: viver tantas décadas é carregar pequenos objetos do tempo — cheiros, sons, gestos — que, quando evocados, nos transportam para lugares que achávamos perdidos. E, acima de tudo, é reconhecer que tabelas, dispositivos e formatos mudaram; mas a forma como sentimos permaneceu humana e inteira.

Eu cresci em uma época em que a gente esperava — e a espera tinha um sabor. Esperava-se o telefone tocar, esperavam-se cartas, esperavam-se fotos reveladas. A espera fazia parte da história.

Lembro das tardes com cassete, das capas de fitas VHS riscadas pelo tempo, das locadoras onde, entre capas e prateleiras, havia promessas de histórias de fim de semana. Lembro das cartas dobradas, da letra com pressa, do bilhete escondido que era reencontrado anos depois em um livro lido. Lembro do calor do visor da televisão e do chiado que anunciava que algo ali era importante.

Nos anos 90 aprendi que o barulho de um modem podia ser música — era a trilha sonora da chegada de um mundo inteiro à nossa casa. Foi uma década de descobertas: brincadeiras nas ruas, clipes na TV, conversas que duravam até tarde e amizades que nasciam nos portões. Foi ali que a curiosidade começou a pegar mais leve na rua e a buscar também dentro de uma tela.

O ano 2000 não trouxe o apocalipse previsto, mas trouxe uma aceleração: a tecnologia passou de ferramenta a extensão do cotidiano. O telefone deixou de ser apenas para chamadas e virou câmera, agenda, playlist e atalho para o mundo. E nós — que tínhamos a prática da espera — fomos convidados a navegar na velocidade do clique.

Hoje trabalho 100% de casa. Meu computador é meu escritório, minha janela, meu palco e meu repositório de memórias. É curioso: quanto mais a tecnologia me dá liberdade, mais sinto falta de gestos físicos — folhear um álbum de fotos, sentir o relevo do papel, ouvir uma fita estourando no player. Ainda assim, aprendi a amar a facilidade do hoje: enviar uma mensagem em segundos, reunir pessoas do outro lado do mundo, salvar um projeto na nuvem e encontrar nele as versões de quem eu fui.

Essa travessia entre analógico e digital me deu um privilégio raro — o de pertencer a duas épocas. Pertencemos ao tempo em que o disco era físico e àquele em que a música mora em serviços que nunca param. Pertencemos aos encontros que exigiam presença e às videoconferências que nos permitem estar. Aprendemos a reinventar rituais: a estreia de um filme deixou de ser um compromisso da sexta-feira na locadora para se tornar uma maratona em casa; a fotografia, antes guardada em caixas, agora aparece instantaneamente e se espalha em feeds que conversam com estranhos e amigos.

Vivemos transformações que moldaram hábitos, relações e oportunidades. Vimos o mundo se tornar menor e, ao mesmo tempo, mais complexo. E, em cada transformação, fomos costurando nossas próprias histórias.

Sei que quem leu estas palavras e também viveu isso se reconhece: há memórias que se sobrepõem — o calor de uma conversa ao pé do telefone fixo; o estranhamento diante do primeiro e-mail; o encanto de ver um restaurante antigo ganhar pedidos por aplicativo. Essas lembranças nos conectam a um passado comum e nos dão identidade em um presente em constante atualização.

Para quem chegou depois, pode parecer poesia saudosista. Mas há algo didático e potente em contar como foi viver a virada de milênio: é ensinar que os grandes saltos não apagaram o íntimo — só mudaram os cenários. É mostrar que o afeto, a curiosidade e o trabalho — aquilo que realmente move as pessoas — continuam presentes, só que com novas ferramentas.

Hoje, 10 de outubro de 2025, eu comemoro mais um aniversário. E ao soprar as velas, não celebro apenas o número no bolo. Celebrar é reconhecer que tive o privilégio de presenciar a mudança: de presenciar o mundo dobrar uma página importante de sua história e seguir escrevendo. Celebrar é sentir gratidão — por memórias amareladas, por mensagens que ainda chegam, por projetos que nasceram em pranchetas e viraram telas. Celebrar é, sobretudo, aceitar que cada fase me moldou e me permitiu ser quem sou hoje.

Ao olhar para trás, vejo mais do que objetos e tecnologia: vejo aprendizados. Vejo a paciência que a espera construiu. Vejo a urgência criativa que a velocidade ensinou. Vejo a força de nos reinventar quando a vida pede. E, por isso, sinto vontade de passar adiante essas lembranças — para que quem viveu entenda que sua experiência é valiosa; e para que quem é jovem aprenda a olhar com ternura para um tempo que, para nós, foi grandioso.

O maior presente de quem viveu essas cinco décadas não é ter visto tecnologia nascer — é ter aprendido a viver por trás e além dela: a sentir, a contar, a cuidar.O maior presente de quem viveu essas cinco décadas não é ter visto tecnologia nascer — é ter aprendido a viver por trás e além dela: a sentir, a contar, a cuidar.

Se você leu até aqui e sentiu um aperto no peito ou um sorriso brotar, é porque essa história também é um pouco sua. Talvez você tenha um álbum esquecido, ou um e-mail antigo que gostaria de reler, ou apenas a vontade de contar uma história que parece pequena, mas que, somada a outras, desenha a nossa geração.

Se você é jovem e ficou curioso: imagina esperar por uma foto, sem saber se ela saíra boa — e depois descobrir, dias depois, que o momento capturado estava ali, silencioso, intacto. Imagine também o primeiro som do modem anunciando uma nova era: era uma mistura de promessa e mistério. E sobretudo, imagine o quanto foi preciso de coragem e curiosidade para atravessarmos tudo isso sem perder nossa humanidade.

Hoje, entre reuniões por vídeo e cafés na cozinha, eu agradeço. Agradeço por ter aprendido a navegar em dois tempos e por ter encontrado, em cada um deles, motivos para amar. Agradeço às amizades que resistiram, às histórias que contei e ganhei, aos riscos pequenos que me fizeram crescer. E celebro — com a alma leve e a vontade intacta — a possibilidade de seguir me encantando com o que ainda vem.

Com amor e lembrança,

Meg Schiager

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