No mercado digital, tudo vira palco.
Tudo é copy.
Tudo é gancho.
Tudo é oportunidade de viral.
Mas será que tudo deveria ser?
De vez em quando, o feed entrega uma dessas “pérolas” do marketing performático. Outro dia, um dos grandes gurus do marketing digital, conhecido por muitos como especialista em Google Ads e por se declarar abertamente evangélico, tentou surfar o assunto quente do momento: o conclave para a eleição do novo Papa, que deu origem ao Papa Leão XIV.
A publicação tinha uma chamada provocativa — “A eleição do novo Papa é puro marketing” — e vinha seguida de uma analogia que colocava o ritual milenar da Igreja Católica como um “lançamento bem feito”, com storytelling, escassez, antecipação e autoridade simbólica.
A intenção era transformar um evento religioso, profundo para milhões de pessoas ao redor do mundo, em case de branding. O tom era didático. Mas o resultado? Um post apagado horas depois — depois de muita crítica nos comentários.
Porque sim: deu ruim.
As pessoas se revoltaram. Muitas, inclusive, religiosas. Outras, apenas conscientes do limite entre estratégia e sensibilidade. Acusaram o autor de oportunismo. De desrespeito. De usar o sagrado como isca de cliques. Teve quem lembrasse das práticas da própria Igreja Evangélica no Brasil. Teve quem lembrasse dos altos custos de movimentos como os “Legendários” — que transformam o espiritual em produto e criam castas simbólicas dentro da fé.
Teve quem fosse mais fundo e perguntasse: até onde vai o desejo de engajamento?
E é aqui que entra a minha reflexão.
Vivemos num tempo em que os criadores de conteúdo, estrategistas e lançadores estão obcecados por surfar o que está em alta. E eu entendo. Algoritmo, alcance, oportunidades, SEO — tudo isso pressiona. A urgência da relevância digital cria uma fome por atenção que às vezes atropela o bom senso.
Mas será que vale mesmo surfar qualquer assunto, só porque ele tá em alta?
O problema não está em usar a criatividade para ensinar. Está em atravessar limites éticos sem perceber. Está em transformar qualquer coisa — fé, tragédia, história, símbolo — em ferramenta de venda.
O marketing digital não é neutro. Ele molda percepções. Ele educa comportamentos. Ele tem o poder de banalizar assuntos profundos ou dar luz a temas urgentes. Ele tem o poder de construir ou de desrespeitar. De promover reflexões ou de reforçar estigmas.
E esse poder, que muitas vezes está nas mãos de um guru, de um influenciador ou de um estrategista como eu e você, precisa ser usado com consciência.
Porque uma coisa é certa: o que a gente chama de “conteúdo” hoje, é o que vai formar o senso crítico da próxima geração. O que a gente compartilha, romantiza, reduz ou transforma em CTA influencia não só o que as pessoas compram — mas o que elas pensam, sentem e acreditam sobre o mundo.
Quando o mercado digital começa a achar normal misturar religião com funil, fé com copy, dor humana com conversão, talvez seja hora de puxar o freio.
Esse texto não é um julgamento. É um chamado à consciência.
Porque, no fundo, todo mundo que trabalha com estratégia está dando palco pra alguém — pra uma ideia, pra uma pessoa, pra uma marca, pra um posicionamento.
E como já falei antes: dar palco é dar poder.
Será que a gente está mesmo refletindo sobre a quem estamos entregando esse poder?
Tem guru que parece profeta. Tem estratégia que parece doutrina. E tem muita gente confundindo carisma com verdade.
Talvez seja hora de parar de correr atrás do “assunto do momento” e começar a construir algo com raiz, com ética, com verdade — mesmo que não dê like. Mesmo que não viralize.
O mercado digital não precisa de mais gente esperta.
Precisa de mais gente consciente.
Se você for dar palco pra alguém, que seja com clareza. Se for surfar um tema, que seja com respeito.
Porque no fim das contas, você não é só um produtor de conteúdo.
Você é um formador de cultura.
E essa responsabilidade, meu caro leitor, é grande demais pra ser tratada como só mais uma estratégia.
Com verdade,
Meg Schiager